O bullying é uma ameaça que se manifesta a partir de brincadeiras sem graça

Por André Zara


"Tudo que é diferente é visto com olho torto. Apesar de ainda estar no começo da minha pesquisa já ouvi muitos relatos pesados, de coisas inacreditáveis. As pessoas realmente ficam marcadas com as agressões físicas e psicológicas e muitas não conseguem superar. É impressionante o que a falta de respeito mútuo em uma escola pode causar. Eu mesma sofri com isso, mas hoje luto para que não aconteça com outras pessoas”, conta a professora Maria Dolores Alves.

A educadora trabalha em sua tese de doutorado pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e realiza uma pesquisa inédita no Brasil sobre bullying. Em seu trabalho acadêmico, Maria Dolores quer investigar como essa prática afeta os estudantes com deficiência e descobrir como acabar com esse tipo de comportamento nas escolas. Iniciada em abril, a pesquisa já reuniu relatos de mais de 50 pessoas por meio da internet e espera recolher muito mais, pois sabe que quem é diferente corre riscos de ser hostilizado no ambiente escolar. Mas o que diferencia uma simples brincadeira ou desavença entre jovens do implacável bullying?

Motivos

Segundo a professora e pesquisadora Cleodelice Fante, o fenômeno não é novidade nas salas de aula, entretanto começou a ser mais discutido após eventos ocorridos no exterior. Casos de suicídios e de atiradores que assassinaram colegas trouxeram à tona os dramas de estudantes excluídos. A própria palavra é uma expressão da língua inglesa, que serve para classificar perseguições e violência entre alunos. Ela não tem uma tradução específica, porque muitas situações podem ser classificadas como bullying. Mas Cleodelice, que também é autora do livro “Fenômeno bullying”, explica que existem algumas formas para caracterizá-lo. “O mais importante é que ele é uma forma de violência moral ou física entre pares, sem provocação, em que o agressor tem a intenção de causar dano. Outro fato observado é que existe um grande desequilíbrio de poder: um grupo ou indivíduo mais forte agride um mais fraco”, explica a professora.

Como não há provocação, o fenômeno também é muito difícil de ser explicado. Afinal, o que leva uma criança a ser cruel com outra? Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia), em 2002, envolvendo 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries, de onze escolas do município do Rio de Janeiro, revelou que 40,5% desses alunos admitiram ter estado diretamente envolvidos em atos de bullying. Mais de 16% foram alvos das ações dos colegas, 12% foram autores e 10,9% sofreram e praticaram agressões.

Quando perguntado aos autores do bullying, por que eles faziam isso, a resposta mais dada foi que a ação “era engraçada”, seguido de “fariam o mesmo comigo”. Outra pesquisa, realizada em 2008 pela Universidade Católica de Brasília (UCB) com 202 alunos da 7ª e 8ª séries do ensino fundamental, de duas escolas públicas de Ceilândia (DF), descobriu que 16% dos agressores faziam porque “a vítima é diferente dos outros”. A análise também revelou que as crianças não contam sobre as violências sofridas para professores e familiares.
“O fenômeno reflete nossa sociedade. Tem um conjunto de causas que podem derivar do modelo e dos valores da escola, de uma família permissiva e da reprodução da mídia. São modelos aprendidos. As pessoas com deficiência são um grupo de risco, por serem mais vulneráveis ou, em caso de atraso mental, por não entenderem o que está acontecendo”, diz a professora.

Segundo Maria Dolores, os alunos com deficiência podem também sofrer violência física, o que ocorre principalmente com pessoas com atraso intelectual. “O bullying traz sofrimento para a vítima e acontece em todos os níveis. A intervenção de um adulto é necessária porque muitas vezes a violência pode levar a pessoa à depressão e até ao suicído”.

Reconhecer o perigo

Os pais devem ficar atentos aos sintomas para descobrir se o filho está sendo vítima do bullying. De acordo com as professoras, a criança pode manifestar mudanças de comportamento, problemas físicos e queda no rendimento escolar. “O importante é estabelecer um diálogo. Se perceber que seu filho está sendo agredido, vá até a escola, exponha a situação, e exija que a instituição tome uma providência. O pior jeito de lidar com situação é ignorando-a”, confirma Cleodelice Fante.

Preocupado com o assunto, o Ministério Público de Santa Catarina criou em janeiro de 2009 um programa de combate ao bullying no Estado. A ideia é impedir agressões nos colégios e promover palestras para conscientizar as escolas. Em casos graves, o órgão governamental recomenda levar o fato até o Conselho Tutelar da cidade e em último caso até a uma delegacia.

Infelizmente, o bullying ainda é uma realidade, como foi o caso de um colégio estadual no bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo. Em 2006, Daniela Chalegre, mãe de Pedro Roberto, um menino autista com 12 anos, foi matriculado nessa escola, que o recebeu pela pura obrigação de inserir um aluno com deficiência. Aceitar a matrícula não significa incluí-lo, tanto que o garoto sofreu bullying por parte dos colegas de sala e da professora. “Foi nessa escola que encontrei todas as dificuldades possíveis para o meu filho”, afirma.

De acordo com Daniela, no segundo dia de aula, Pedro chegou em casa com hematomas pela perna. No terceiro dia, a diretoria da escola a chamou para uma conversa. Quando Daniela entrou no prédio, e passou pelo pátio, se deparou com uma cena deplorável: seu filho estava sendo esmurrado por 6 crianças e não havia nenhum funcionário por perto. Ao conversar com a professora, teve outra situação desagradável, a docente disse que não era de acordo que Pedro estudasse com alunos “normais” e que a tese de sua monografia de pós-graduação era justamente contra a matrícula de alunos com deficiência em escolas regulares. Para completar, a diretora disse a mãe que não via a hora de Daniela tirar o filho daquela escola. “Eu conversei com todos os responsáveis, mas nada foi feito. Eu e meu marido sentimos na pele o que é ficar desamparado pela lei”, diz Daniela.

No entanto, existem bons exemplos e informações que evitam situações desagradáveis como essas. Foi o caso da escola Dom José Ferreira Alvares, de Bragança Paulista, no interior de São Paulo. “Tivemos o problema na escola há três anos, quando recebemos uma grande transferência de alunos. Nós temos muitos estudantes com deficiência e nunca houve problemas, mas vimos que algo estava errado. As crianças se olhavam tortas e havia uma clara divisão entre elas. Desde o pessoal da limpeza até a diretoria, sentia que se não fizéssemos algo, alguma coisa mais grave poderia acontecer”, diz a professora de educação física do Instituto Social Educacional, Magali Lima.

Antes da situação piorar, ela realizou uma ação de sensibilização com os alunos novos. “Nós os vendamos para que sentissem as dificuldades que uma pessoa com deficiência sente. Eles sentiram na pele os obstáculos, e tiveram uma incrível melhora. A conversa foi muito importante, pois assim mostramos que um acidente ocasional poderia transformá-los em uma pessoa com mobilidades reduzidas”, explica a professora.

A escola também tem como objetivo manter a convivência entre os alunos e não segregá-los. “Nossos alunos com deficiência participam de tudo o que os outros jovens fazem. Também os incentivamos a ajudar os colegas, para serem mais sensíveis às suas necessidades. Tudo que é novo dá medo, mas com o tempo as crianças superam”, conclui a educadora.

fonte: http://revistasentidos.uol.com.br/inclusao-social/59/artigo179121-1.asp

by jack